mardi, mars 22, 2011

"Conversas do Nosso Tempo": O Papel dos Intelectuais na Vida Política- Resumo (Megapost)

Ontem fui à primeira palestra de Michel Winock, ministrada na Aliança Francesa de Botafogo. Queria ter gravado, mas além de não saber se era permitido fazer isso, eu não tinha um gravador disponível, então deixei para lá. Mas tomei muitas notas e o que segue é um resumo geral do que foi dito, feito a partir dessas notas.

Antes de mais nada, quem é Michel Winock?

Winock é um historiador francês especializado na história da República Francesa, movimentos intelectuais, anti-semitismo, nacionalismo e movimentos de extrema direita na França. Ele é professeur des universités em História Contemporânea no Institut d´Études Politiques de Paris (Sciences-Po), e um dos editores da revista L´Histoire (http://www.histoire.presse.fr/). Ele também já foi repórter do Le Monde. É autor do livro "Siècle de Intellectuels" ("O Século do Intelectuais", publicado no Brasil pela Bertrand) e "Voix de la Liberté" ("As Vozes da Liberdade", também publicado pela Bertrand).

O Papel dos Intelectuais na Vida Política- Resumo

Na palestra intitulada "O Papel dos Intelectuais na Vida Política", parte do projeto "Conversas do Nosso Tempo", Winnock faz um resumo do papel dos intelectuais na política Francesa desde o Caso Dreyfus até os dias de Hoje. 



O caso Dreyfus

Cerimônia de degradação de Dreyfus
O próprio termo "intelectual" como o usamos hoje em dia surge durante o Caso Dreyfus. Esse foi um escândalo político que abalou a França no fim do século XIX. Alfred Dreyfus era um oficial de artilharia do exército francês, de origem judaica acusado de traição. Sofreu um processo fraudulento e secreto, no qual pesou o anti-semitismo. Posteriormente, ficou provada sua inocência. Durante o processo, o caso Dreyfus atraiu grande atenção da opinião pública francesa e, sobretudo muitas críticas. Emile Zola escreveu seu famoso manifesto "J´accuse!"( "Eu acuso!"), uma carta aberta ao presidente da república Félix Faure,  no qual defende a inocência de Dreyfus, e acusa os oficias responsáveis pelo julgamento, assim como o exército de mono geral, de conduzirem uma campanha mentirosa contra Dreyfus.

Zola não foi o único a defender Dreyfus, outros foram Octave Mirabeau, Anatole France e Georges Clemenceau. Esses homens que defendiam Dreyfus e denunciavam seu processo corrupto ficaram conhecidos como "dreyfusards", e os que apoiavam a condenação de Dreyfus eram os antidreyfusards. Foram dois antidreyfusards (Maurice Barrès e Ferdinand Brunetière) que começaram a usar o termo "intelectual" para definir, de maneira pejorativa, os apoiadores de Dreyfus.

Edição origina do "J´accuse!" de Zola

De acordo com Winock o que estava em questão no caso Dreyfus era, essencialmente uma oposição entre pensadores universalistas e pensadores nacionalistas. Os universalistas defendiam valores "universais" tais como a justiça, o Estado de direito, a verdade e a dignidade humana. Já para os nacionalistas pouco importava se Dreyfus era culpado ou não, defender sua condenação era um passo necessário para a manutenção do status quo e da coesão social (especialmente considerando que Dreyfus, enquanto judeu, era visto como um elemento anti-francês). Eventualmente, com a comprovação da inocência de Dreyfus, os pensadores "universalistas" foram vitoriosos, mas apenas temporariamente.

Comunismo e fascismo (décadas de 1910 a 1930)

Em 1914 eclode a Primeira Guerra Mundial. Os nacionalismos se acirram na Europa e muitos intelectuais abandonam algumas de suas idéias universalistas. Em 1917, começa a Revolução Bolchevique na Rússia, e em 1920 é fundado o Partido Comunista Francês. A intelectualidade francesa começa um processo de aproximação com o Comunismo. No pós-guerra, com a crise dos anos 30 e a ascensão dos fascismos uma nova dulidade surge entre a intelectualidade francesa: os pró-fascistas contra os antifascistas. A Guerra Civil Espanhola acirra esse debate, e com a força crescente do Partido Comunista Francês a questão passa a se delinear nos termos de esquerda x direita.

Winock nos dá alguns exemplos de intelectuais que se colocam à margem do maniqueísmo esquerda/direita

André Gide.

O famoso escritor era simpatizante do Partido Comunista (mas nunca se tornou mebro de fato). Foi como tal que viajou para a União Soviética. Muitos intelectuais fizeram essa viagem, geralmente organizada pelo próprio governo soviético a fim de propagandear a superioridade do sistema Comunista. Gide, no entanto, fugiu da propaganda e procurou conhecer a verdadeira União Soviética. Como resultado, se desiludiu do Comunismo e passou a contestá-lo, especialmente em seu trabalho "La retour de la URSS". No entanto, Gide jamais se aproximou dos ideais do capitalismo e da direita.

Georges Bernanos.

Outro escritor francês que, ao contrário de Gide, começou sua carreira com tendencias direitistas e pró-monarquia. Era a favor da restauração da monarquia e fazia parte do grupo conservador Action Française. Ele também era a favor dos franquistas na Espanha. No entanto, ao testemunhar em pessoa as atrocidades cometidas pelas tropas de Franco durante a Guerra Civil Espanhola, sua visão começou a mudar. Bernanos era católico fervoroso, assim,  a brutalidade das tropas franquistas  e a cumplicidade do clero com a violência o chocaram profundamente. Ele passou a denunciar os excessos do fascismo, em especial no livro "Les grands cimitières sous la lune"

Simone Weil

Simone Weil foi uma filósofa francesa e uma comunista-antistalinista. Com relação à Guerra Civil Espanhola, Weil foi uma grande crítica da ascensão dos comunistas sobre os demais grupos políticos que se opunham a Franco, e, assim como Bernanos denunciou as atrocidades dos franquistas, ela denunciou a violência da oposição anti-franquista. Ficou mais famosa por denunciar as condições de trabalho dos operários na França. Ela começou a trabalhar na Renault como operária, a fim de verificar as condições de vida dos trabalhadores . Ela constatou que, salvo em raros momentos históricos de sublevação dos oprimidos, a opressão não resulta em rebelião, mas em obediência e apatia - e até mesmo na internalização dos valores do opressor.

De acordo com Winnock esses três intelectuais são exemplos da defesa do que ele chama de "valores universais", isto é, dos direitos humanos, da dignidade, do direito universal e, principalmente da verdade. Essa defesa deve além de nacionalismos, ideologias, partidos ou orientação política.

O caso Robert Brasillach

Apelo de Charles de Gaulle à população
francesa, em favor da resistência
(18 de Junho de 1940)
Com a Segunda Guerra e o avanço do Nazismo a intelectualidade francesa se viu novamente dividida, desta vez entre os colaboradores do Nazismo e os membros da Resistência. O pós-guerra trouxe para a França uma nova questão: o que fazer com os colaboracionistas? Para muitos tinha chegado a hora da prestação de contas.

Essa opinião estava na raiz do caso do jornalista e escritor Robert Brasillach. Brasillach foi editor do jornal "Je suis partout", um periódico fascista fundado por dissidentes do Action Française. Brasillach era admirador do moviemento fascista belga conhecido como Rexismo e de seu idealizador Leon Degrelle. Degrelle foi um colaborador do Terceiro Reich e da ocupação da Bélgica, mas Basillach não tinha total confiança em Hitler, a quem considerava demasiadamente furioso. Mesmo assim ele escreveu a favor do regime de Vichy, e apoiou a colaboração com as políticas nazistas. Também defendeu a morte de políticos de esquerda e a execução sumária de membros da resistência.

Após a liberação de Paris, Brasillach passou um tempo escondido, mas acabou se entregando. Ele foi julgado em Janeiro de 1945, acusado de colaboração com o regime nazista. A promotoria ligou seu anti-semitismo e discurso pró-nazista com os massacres perpetrados pela SS na França, e sua homosexualidade foi usada contra ele para desacreditá-lo. Brasillach foi sentenciado à morte. A condenação causou escândalo na França e mesmo alguns de seus oponentes políticos se posicionaram a favor de Brasillach. François Mauriac, um ex-membro da Resistência circulou uma petição contra a execução de Brasillach, posteriormente enviada a Charles de Gaulle. Entre os signatários figuravam Paul Valery, Paul Claudel, Albert Camus, Jean Cocteau e Colette. 

Brasillach durante seu julgamento

A petição foi recusada, mas abriu uma nova discussão: o discurso do intelectual pode ser considerado diretamente responsável pelos eventos históricos e políticos? O direito à liberdade de expressão é absoluto? Palavras e atos têm o mesmo peso político? Afinal, Brasillach discursou a favor do Nazismo, mas não atuou no partido Nazista, então sua execução seria justificada ou ele tinha direito a apoiar o Nazismo só no plano ideológico? Jean-Paul Sartre entra na discussão, reafirmando a responsabilidade do intelectual e seu discurso sobre a realidade, sustentando que até mesmo o silêncio do intelectual tem consequencias importantes. Em 1945 ele estabelece a teoria do engajamento, na qual defende que todo intelectual é, de alguma forma, politicamente engajado, mesmo quando nega seu engajamento.

Guerra Fria

A Guerra Fria torna a dividir a intelectualidade francesa, assim como o mundo inteiro, entre o capitalismo americano e o comunismo soviético. Na França o campo mais forte até os anos 50 é aquele que apoia o Comunismo soviético. Nos anos que se seguiram à Segunda Guerra, a União Soviética gozava de grande prestígio entre os franceses graças à sua atuação na derrota de Hitler, e o Comunismo era uma forte influência ideológica entre os jovens e os acadêmicos. De acordo com Winock, nesse momento vemos novamente o afastamento dos "valores universais" em favor de uma causa política específica. Intelectuais com Henri Wallon, Louis Aragon e Paul Élouard apoiam o regime soviético sem qualquer reserva.

Entre os opositores está o sociólogo Raymond Aron, defensor do liberalismo, que escreve "Le Grand Schisme". Após a experiência com o Nazismo, Aron passou a rejeitar todo e qualquer regime totalitário, e denunciou o totalitarismo soviético, sem no entanto apoiar todas as políticas da direita. Do mesmo modo, Albert Camus rejeita o totalitarismo soviético ao mesmo tempo que recusa o capitalismo americano

O ponto de ruptura para os apoiadores da União Soviética viria em 1956. No XXº Congresso Comunista, em fevereiro, Nikita Khrushchev faz o histórico discurso "Sobre o culto da personalidade e suas consequencias" também conhecido como"o discurso secreto" ou "Relatório Khrushchev". Nesse discurso, Khrushchev reafirma sua crença nos ideais comunistas, invocando as idéias de Lenin, ao mesmo tempo que critica o regime de Stalin, particularmente o Grande Expurgo, entre 1934 e 1939, e o culto à personalidade de Stalin. 

O "discurso secreto" de Khrushchev

Com o discurso de Khrushchev e a Revolução Húngara de 1956, a intelectualidade de esquerda que apoiava a União Soviética sofreu um duro baque e viveu uma verdadeira crise de identidade. A descrença no modelo soviético se aprofundou nos anos 70 com a chegada dos dissidentes soviéticos e a publicação do livro "Arquipélago Gulag". Aumenta a força dos movimentos anti-totalitários.

O fim do Intelectual.

Winock afirma que, com as mortes de Sartre, Aron e Foucault nos anos 80, desaparece a figura do grande escritor ou do grande intelectual. Dos anos 80 adiante verifica-se uma pulverização do discurso intelectual entre os vários grupos sociais. Com o aumento dos níveis de escolarização e o desenvolvimento da mídia de massa o discurso político deixa de ser exclusivo do intelectual e passa a ser compartilhado por toda a sociedade. "Todos nós somos intelectuais".

A seguir Winnock estabelece os três tipos de intelectual do mundo contemporâneo.

1-O intelectual "profissional"
 Uma ruptura com a tradição. Até então, o intelectual era um professor, escritor, ou outro profissional que toma um partido e atua politicamente. O intelectual "profissional", ou intelectual "midiático" é, em geral, um analista pago para dar suas opiniões e criticar, muitas vezes sem conhecimento de causa.Um exemplo francês seria Bernard-Henri Levy.

2-O intelectual "específico"
Tipo definido por Michel Foucault, é o intelectual que fala sobre a sua própria área de atuação. Um exemplo seria um médico que discute a ética médica, ou um economista que discute as políticas econômicas do governo. Winnock fala, especificamente do "Escândalo Mediator" no qual um remédio para diabetes causou a morte de diversos pacientes na França. Foi a médica Irène Franchon a responsável por denunciar o laboratório e colocar o caso em discussão.

3-O intelectual anônimo
É a multidão que intervem na discussão política. Com o desenvolvimento da internet e das redes sociais, o fácil acesso à cultura e informação e o desenvolvimentos da educação, o homem comum torna-se o novo intelectual fazendo tudo o que somente o "grande intelectual" fazia antes, isto é opinar e discutir a política.

Para que servem os intelectuais?

De acordo com Winock o intelectual tem um compromisso com a verdade. Não lhe cabe inventar a verdade ou defender a verdade que lhe interessa, mas tentar chegar o mais perto possível da verdade dos fatos. Ele deve falar com conhecimento de causa e partir sempre de um reflexão séria e profunda. Principalmente ele deve ser "apaixonado e modesto". O intelectual deve sempre lembrar que seus predecessores cometeram erros de julgamento, e tiveram que rever suas opiniões, e que o mesmo pode acontecer com ele. Principalmente o intelectual "não deve ter a pretensão de dar a chave do mundo", de dar as respostas para todos os problemas mas sim tentar fazer com que o mundo seja um pouco mais fácil de entender.

Bibliografia sugerida:

"O Século do Intelectuais"- Michel Winock

"La republique des idées"- Pierre Rosanvallon




  

2 commentaires:

  1. Legal! Gostei muito do seu resumo. Vi que você indica o portal Bibliofrança. Como você chegou até nós?
    Um abraço,
    Alessandra (da Mediateca da Maison de France)

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  2. @Alessandra

    Oi, Alessandra! Que bom que você gostou do resumo, espero que tenha sido útil.

    Na verdade não é bem que eu tenha chegado até vcs, é que sou carioca e estudo na Aliança Francesa do bairro de Botafogo. Então, assim como para tantos outros cariocas que circulam pelo Centro da cidade, a Maison de France sempre me foi bem familiar :D

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