Ninguém sabe muita coisa ainda sobre esse filme, já que ele não ainda estreiou no circuito mundial, mas a pré- estréia em Cannes causou furor. Muitos críticos ficaram tão ofendidos que abandonaram a sessão. Em geral esse críticos que saem da sessão durante o festival de Cannes são os (sempre puritanos) americanos, infalíveis no quesito "dar piti por besteira", mas dessa vez Almodóvas conseguiu ofender até os (as vezes demasiadamente) liberais críticos franceses.
Desde então muita gente especula o que teria de tão chocante nesse filme. As críticas do filme não estão dando detalhes, até porque ninguém que estragar a surpresa (e uma grande parte do que faz a graça do filme está na direção inesperada que o roteiro toma), mas as versões que mais circulam por aí são:
1-Antonio Banderas interpreta Robert Ledgard, um cirurgião plástico cuja mulher fica gravemente queimada num acidente de carro (algumas versões dizem que ela morre em decorrência das queimaduras). Assim, ele decide criar uma inovadora pele artificial, mais resistente que a pele humana. E para isso usa uma jovem como cobaia.(A moça em questão seria a mulher do trailer doido aí em cima)
2-Antonio Banderas interpreta Robert Ledgard, um cirurgião plástico cuja filha é brutalmente estuprada. Algumas versões dizem que a filha se suicida após o ataque, outras que ela fica tão traumatizada que tem que ser internada numa clínica psiquiátrica. Assim, ele decide encontrar o estuprador e se vingar.(Essa versão faz o trailer doido aí em cima parecer mais doido ainda)
Qual versão é a correta? Bem, é claro que eu não vou dizer, mas posso adiantar que, levando em conta o livro no qual o filme se inspirou, nenhuma das duas parece estar exatamente errada....
Agora chegamos nas inspirações francesas da qual falamos no título. "La piel que habito" é inspirado no romance "Mygale" do francês Thierry Jonquet. Quem leu o livro (que ainda não foi lançado no Brasil) provavelmente deve ter uma idéia do que está no filme do Almodóvar (considerando que o diretor deve ter feito mudanças na história original), então, exclusivamente para os leitores do meu blog (estou metida hoje, não?) aqui vão alguns elementos do livro para vocês tentarem adivinhar o que esperar do filme.
Em "Mygale", três história que inicialmente parecem não ter conexão, formam uma teia complexa, lentamente revalada ao leitor.
O personagem principal é Richard Lafargue (que corresponde ao Robert Ledgard interpretado por Banderas no filme), um (adivinhou?) cirurgião plástico que vive com Eve. Ledgard e Eve vivem uma vida aparentemente normal de um casal de classe alta, mas a realidade é que Ledgard mantém Eve prisioneira em sua luxuosa mansão e a tortura forçando-a a manter relações sexuais com diversos homens (permitindo inclusive que eles a maltratem). Mais para frente é revelado que Ledgard tem uma filha, Viviene, que está internada numa clínica psiquiátrica. O sofrimento de Ledgard pela filha é tremendo e ele, aparentemente, tortura Eve numa tentativa de aliviar a própria dor.
A segunda história gira em torno de Vincent.Moreau. O leitor encontra Vincent preso num sótão deserto, privado de comida. Vincent foi caçado e aprisionado por um homem misterioso a quem ele só conhece pelo apelido "Mygale" (Mygale também é o nome de um tipo de aranha, o que é também uma referência à teia complicada formada pelas histórias.).
A terceira história tem como protagonista Alex Barny. Alex é um bandido pé-de-chinelo, amigo de Vincent Moreau. Alex planeja e executa um roubo a banco, e agora está desesperado para fugir da polícia. Ele lamenta que Moureau não esteja lá para ajudá-lo. Finalmente decide que a melhor maneira de escapar é fazer uma cirurgia plástica para mudar radicalmente sua aparência. Então decide procurar um cirurgião plástico disposto a lhe dar um novo rosto...Adivinhem no consultório de quem Alex vai parar?
Bem isso é tudo que eu posso dar sem estragar a grande virada da história. Essa grande virada foi o que, aparentemente, chocou tanto os críticos em Cannes. Só posso adiantar que as três histórias convergem de maneira horrenda.
Mas posso dizer que a conexão francesa de "La piel que habito" não acaba aí. Almodóvar fez um filme que, visual e artisticamente deve muito à França. O observador mais atento pode ver isso no trailer. Não entenderam?
Comparem o trailer de "La piel" com esse aqui:
Viram alguma semelhança? Vamos lá: música instrumental tensa com ênfase em instrumentos de cordas, uma casa luxuosa que serve de disfarce para uma prisão claustrofóbica, um médico insano, uma jovem mantida prisioneira cujo rosto se esconde por trás de uma máscara sem expressão... Trata-se do filme "Les yeux sans visage" (Os olhos sem rosto) , lançado em 1960 e dirigido por Georges Franju (já falei dele por aqui ).
Almodóvar já confessou em entrevista que "Les yeux sans visage" foi uma das principais inspirações para "La piel que habito", e chamou o filme de Granju de "referência clara e concreta" para o seu filme. Mas é improvável que Almodóvar tenha feito um remake de Granju...ao que parece o espanhol pegou os principais temas do filme francês (obssessão de um médico e suas tentativas de "brincar de Deus") e deu sua leitura, acrescentando a carga de passionalidade e sexualidade típicamente almodovarianas e misturando com o sadismo pervertido do romance de Jonquet... Todos elementos que não existem em "Les yeux sans visage". Ou seja são dois filmes completamente diferentes. Mas é interessante ver como, plasticamente, o filme de Almodovar parece prestar um claro tributo a Granju, basta ver a profusão de tons cinzentos, a maneira como a casa-cativeiro é filmada (e até alguns de seus elementos arquitetônicos como painéis nas paredes, escadarias e portas) e as máscaras usadas pelas moças em ambos os filmes.
Figurino de Gaultier |
Outra coisa interessante: As roupas de "La piel que habito" são cortesia do designer francês Jean-Paul Gaultier. Gaultier já colaborou com Almodóvar em "Kika" (onde fez as roupas de Victoria Abril) e em "A má educação" (no qual foi responsável pelo visual das personagens transexuais). Em "La piel que habito" Gaultier assina os figurinos da personagem mascarada. Gaultier sempre foi conhecido pelos elementos decadentes de seu estilo que misturam sensualidade com uma agressividade quase S&M, por vezes demonstrada em peças constritivas e estruturadas e uma supervalorização da forma feminina (lembram do corpete que ele fez para Madonna?). Decadente, constritivo, supervalorização da forma feminina? Parece perfeito para "La piel que habito".
Outra influência francesa para o filme foram as esculturas da artista plástica Louise Bougeois. A obra mais famosa de Bourgeois se chama "Maman" é se trata de uma escultura gigantesca de aço representando uma aranha, hoje na entrada do Museu Tate de Londres. Essa escultura rendeu a Louise Bourgeois o apelido de "Mulher aranha". Curiosamente o livro no qual Almodovar se inspirou também tem o nome de uma aranha (mygale). Coincidência? Provavelmente não. Segundo alguns críticos que assistiram o filme, as obras de Bourgeois aparecem na história através de livros lidos pela prisioneira do médico maluco. Bourgeois, seria, segundo muitos críticos, a inventora da "arte confessional" na qual artistas (mulheres em especial) deixam sua vivência pessoal e íntima "sangrar" para suas obras de arte, tornando a compreensão dessas obras impossível senão através de uma leitura focada na vivência de sua autora. Haverá então uma conexão entre Bourgeois e a vítima de Ledgard que busca na arte a sublimação de seu sofrimento?
"Maman" de Louise Bourgeois |
De qualquer modo, essas são minha impressões iniciais sobre o filme, baseadas principalmente no trailer e no que andei lendo sobre ele, e sobre suas fontes de inspiração. Resta esperar para ver o resultado dessa mistura decididamente francesa feita pelo espanhol Almodovar (e ver se eu não escrevi muita besteira, hehehe).
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